a pé pela Zona de Couros
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Descendo pela Alameda de S. Dâmaso, lado sul, entramos na Rua de Couros. É aqui que se situa o coração da tradição de curtir e surrar peles em Guimarães. As suas artérias estendem-se aos lugares que envolvem o rio que, no seu curto e sinuoso trajeto, invulgarmente conhece diferentes designações. A rua liga a zona de cima da cidade ao pequeno curso de água que a atravessa quase invisível – o rio de Couros, que corre na zona baixa desta rua.
Na Idade Média, quando se aperfeiçoaram as artes e os ofícios, esta rua já ostentava a atual denominação. Em 1315, os irmãos João e Pedro Baião, sapateiros de profissão, fundaram a Irmandade de S. Crispim e S. Crispiniano e dotaram a instituição de uma fonte de rendimento, legando uma poça com sete pias de pedra à rua de Couros. Esta propriedade foi mantida pela Irmandade de S. Crispim até ao final do séc. XIX.
Aproveitando o declive do terreno para conhecer a rua, as portas de vai-e-vem assinalam a presença de uma antiga taberna.
Ao longo da rua, os edifícios não apresentam uma unidade arquitetónica. Sobressai aqui a habilidade para o improviso de espaços habitacionais, numa zona que foi densamente povoada e onde havia falta de casas para as famílias operárias.
Na descida, ao lado direito, vemos um portão de madeira. Aí dentro podemos conjunto habitacional da Ilha do Sabão.
- Uma única entrada dá acesso ao pátio, em torno do qual se construíram habitações modestas, e onde terá existido uma fábrica de sabão. Este produto, necessário à higiene, era feito com uma mistura de diversos ingredientes, entre os quais, as gorduras extraídas das peles ao serem preparadas para a curtimenta. Sabão, sebo e cola eram alguns dos produtos feitos com os resíduos da transformação dos couros, garantindo a satisfação de outras necessidades da população. Na indústria dos Curtumes nada se perdia, tudo era reaproveitado.
A meio da rua, se olharmos à esquerda, encontramos numa subida o Largo do Trovador. A memória do “primeiro trovador português” está associada a este Largo, que se desenvolve num espaço inclinado e onde em tempos existia um pelourinho.
- O talento de um filho da Rua de Couros, Manuel Gonçalves, foi perpetuado na literatura histórica de Guimarães, apesar de não terem permanecido vestígios da sua obra. Em 1880, a Câmara de Guimarães atribuiu esta designação ao Largo. Este largo permanece na memória coletiva com outros usos do espaço público, como a utilização do terreno para o enxugo das peles, no tempo em que aqui existia uma pequena fonte.
A irregularidade acentuada no terreno não impediu o aparecimento, ao longo dos séc. XIX e XX, de um conjunto de edifícios de características burguesas, traduzindo a ascensão económica proporcionada pelo negócio dos couros, nessa época.
Neste conjunto edificado sobressai a diferença entre o rés-do-chão e os restantes andares. As portadas mais largas comprovam o funcionamento de pequenos armazéns e oficinas ligadas à indústria de curtumes.
Neste lugar, ainda é possível observar os motivos artísticos, que inspiraram a moldagem do ferro dos gradeamentos das janelas e das varandas, ou o contraste com as caixilharias de madeira que apresentam uma geometria variada.
Sobre os telhados vislumbra-se a beleza das claraboias e nas fachadas as diferentes cores e formas dos azulejos.
Na confluência do rio de Couros com o Largo do Trovador, é evocado o Lema e a “Bandeira” dos trabalhadores deste ofício. As palavras “Fé, Trabalho e Honra” e a representação dos instrumentos utilizados na curtimenta, lembram a quem passa, a identidade deste Burgo.
No lado oposto, uma rua estreita permite aceder ao que resta de uma antiga fábrica de manufatura de curtumes: a “Fábrica de António José de Oliveira & Filhos”, a qual foi uma das empresas mais conceituadas no séc. XX. Conservam-se os tanques, onde eram mergulhadas as peles e um pátio, sobre o qual se erguiam os barracões de madeira ripada, onde os couros eram pendurados em forquilhas para secarem nestes locais arejados.
A Rua de Couros estende-se até ao curso de água. Esta união é feita com uma pequena ponte que liga as duas margens, quase absorvida pelo casario, que se apropria do espaço.
Chegamos ao Largo do Cidade. De um lado, sobressai um edifício de pedra, de base quadrangular, construído para servir de posto de distribuição de energia elétrica às fábricas de curtumes
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O Edifício de traça oitocentista, onde agora funciona a Pousada de Juventude de Guimarães, foi a residência de um abastado negociante vimaranense, que se evidenciou no séc. XIX. Conhecido pela alcunha de o “Cidade”, Cristóvão José Fernandes da Silva, nasceu em Guimarães, em 1812.
O “Cidade” começou por distinguir-se nos negócios associados à indústria de curtumes, mas a fortuna que amealhou deveu-se, igualmente, aos investimentos de outras áreas, como a aquisição e exploração de propriedades e o empréstimo de dinheiro a juros.
Com apenas 18 anos, obteve junto com o pai, todos os privilégios reias para estabelecer uma fábrica de curtumes no sítio do rio de Couros. Era considerado um negociante de grosso trato, abastado capitalista e grande proprietário. Tinha uma grande devoção religiosa, testemunhado pelo oratório dedicado ao Senhor da Piedade, que mandou edificar na parede de sua casa em 1866 (na Rua de Vila Verde).
O centro do Largo é ocupado por um conjunto de tanques, recentemente reabilitados. Estando de costas voltadas para a Pousada, temos um balcão, que enquadra os tanques e a sua relação com o rio de Couros. Vale a pena apreciar a forma como a água desaparece no labirinto de estruturas onde as peles eram mergulhadas nas demoradas operações para a sua transformação em couro. Neste processo a água tinha um papel fundamental, sendo reaproveitada ao máximo entre as diferentes fases.
Propõe-se ainda uma descoberta da dimensão das lajes que, aqui e ali, servem de pavimento. Eram antigas estruturas de apoio ao curtimento das peles, onde se exerciam algumas operações e onde eram depositadas as matérias-primas e resíduos resultantes desta atividade.
O processo de produção das peles
Estes tanques eram apelidados de pelames, lagares e lagaretas e eram utilizados nas diferentes fases de produção.
Iniciava-se com os trabalhos de ribeira, que serviam para eliminar os pêlos da flor da pele e as gorduras da face interna do couro (carnaz). As peles secas e salgadas eram mergulhadas durante vários dias num tanque maior (lagareta ou lagaretão), para voltarem a ganhar humidade e poderem ser trabalhadas. De seguida eram colocadas, tanques mais pequenos (pelames), onde era introduzido um preparado de cal, que facilitava a remoção do pêlo. Repetia-se esta operação para retirar também todas as gorduras e resíduos de carne.
Seguia-se a fase de eliminação da cal da superfície das peles (humada ou desencalagem), utilizando uma mistura de excrementos de pomba e de cão, diluídos em água a ferver. As peles ficavam submersas neste composto durante vários dias, que variava consoante as condições climatéricas.
A presença do “folão”, equipamento mecânico introduzido no séc. XIX, permitiu um grande avanço tecnológico e reduziu em muito o tempo a execução dos trabalhos de ribeira.
Após a fase de limpeza, seguia-se o demorado e complexo processo de curtimenta, que permitia tornar a pele imputrescível através da aplicação de substâncias vegetais com propriedades tanantes, tornando as pelas imputrescíveis. Em Guimarães o produto mais utilizado era a casca de carvalho alvarinho, que vinha do concelho vizinho de Fafe. No lagar com águas limpas colocavam-se, em camadas alternadas, as peles estendidas e envolvidas por casca de carvalho moída.
Nesta fase entrava o curtidor, grande conhecedor das características das peles e a quem cabia o controle de todo processo. Os sucessivos banhos de casca podiam demorar até 3 meses.
Este processo terminava com a lavagem à perna dos couros, feita por homens descalços, que dentro dos tanques pisavam as peles.
Depois de escorridos os couros, passava-se à fase de acabamento, que normalmente era feita em espaços interiores ou cobertos, as denominadas “casinhas”, e que variava consoante a finalidade do produto. Nesta fase entravam os surradores, um grupo muito especializado e bem pago. Durante 30 minutos surrava-se o couro, sobre tábuas, com uma “pissara”, para lhe retirar a humidade e o excesso de tanino. Este era um trabalho que exigia perícia e muita força física, passando a ser mecanizado a partir de meados do século XX.
Seguia-se o processo de secagem, que podia durar cerca de um mês.
Posteriormente, os couros eram engraxados com sebo para esticar a pele e cobrir eventuais manchas e após uma última secagem nas varandas e tendais, os couros podiam ainda ser pintados.
Por fim os couros eram classificados pela sua qualidade, agrupados em costais amarrados por uma corda e armazenados.
Olhando à esquerda, vemos e seguindo o curso do rio de Couros, encontramos uma travessa – Travessa do Rio de Couros, num corredor estreito, que acompanha o rio entre os muros das antigas fábricas e que nos conduz à Rua de Vila Flor.
A Rua de Vila Flor é uma artéria que liga na sua cota mais baixa o lugar de Relho à Avenida D. Afonso Henriques. A construção desta avenida, antigamente chamada Avenida da Indústria, dá-se com a chegada do comboio em 1884, espelhando a fase em que prosperaram as atividades económicas e se intensificaram as ligações comerciais com o Porto, nomeadamente da indústria de curtumes.
Virando à esquerda, na rua de Vila Flor, encontramos mais à frente do lado esquerdo a antiga Fábrica de Curtumes “António José de Oliveira e Filhos”
Este edifício, que na sua origem apresentava uma estrutura ligada à indústria de couros viu, na segunda metade do século XX, a sua funcionalidade ser transferida para a indústria têxtil.
A sua arquitetura espelha a transformação industrial operada nesta zona da cidade, onde a presença da chaminé da caldeira contrasta com as construções em ripado de madeira ou com os tanques que marcam o percurso subterrâneo do rio.
A antiga manufatura de curtumes que durante séculos mantivera práticas empíricas e arcaicas enfrentou desde a primeira metade do século, obrigações legais de salubridade e exigências de modernização tecnológica, o que levou a que alguns dos industriais de Couros transferissem a sua atividade para a nova industria têxtil, mais limpa e cujo retorno do investimento era mais imediato e a mão-de-obra mais barata.
A antiga fábrica foi reabilitada e funciona atualmente como um polo da Universidade do Minho - Centro Avançado de Formação Pós-Graduada, que pretende fomentar ofertas de ensino pós-graduado inovadoras (mestrados, doutoramentos, lifelong learning), captar novos públicos e ainda promover a formação multidisciplinar orientada às necessidades e perspetivas do tecido económico regional e nacional, suportada na dualidade proximidade/ensino à distância.
mais informações:
https://www.arquitetura.uminho.pt/pt/Escola/instalacoes/campus_de_couros
No final da rua, mais à frente do lado esquerdo, vemos um edifício contemporâneo - o Complexo Multifuncional de Couros, onde funcionam valências da “Fraterna” - Entidade de apoio à infância e a idosos, que ocupa espaços, onde outrora existia uma intensa atividade ligada à indústria de curtumes.
Este conjunto é um bom exemplo da filosofia de reabilitação que o Município de Guimarães tem promovido, aliando uma linguagem arquitetónica contemporânea com a tradição revelada pelas tipologias construtivas tradicionais. É evidente o contraste entre os edifícios reabilitados e as infraestruturas herdadas do passado glorioso. O granito está sempre presente, em conjugação com a madeira ripada, pintada a cor “sangue de boi”, fazendo lembrar o sangue dos animais, que ao serem abatidos, alimentavam com as suas peles, a indústria de curtumes.
Contornando os edifícios, encontramos o maior conjunto de tanques existente em toda a Zona de Couros. Esta área assumia caraterísticas multifuncionais. Era frequente a colocação de estrados e madeira sobre os tanques, enquanto decorria o moroso processo de curtimenta. Essa plataforma improvisada ao ar livre, servia de apoio para a execução de outras operações, sendo muitas vezes aproveitada para a secagem da casca de carvalho, para a secagem dos pelos e das gorduras extraídos, que depois tinham outras utilizações.
O antigo secadouro foi reabilitado sobre um edifício, perpetuando a memória de uma prática bastante comum durante o apogeu industrial: a construção desordenada de barracões para criar estufas naturais, onde as peles eram expostas ao ar para secarem.
Continuando em frente, atravessamos a estreita Rua de Vila Verde, a qual conserva aspetos do modo como a organização urbana respondeu às necessidades dos operários. Apesar do ambiente insalubre, as casas cresceram partilhando muitas vezes as paredes com os edifícios fabris e com os campos de lavoura. Aqui, ainda se ouve a água das nascentes e minas que contribuíam para o aumento do caudal do rio que nesta zona era muito requisitado.
Repare-se no contraste entre os edifícios que ladeiam a rua, de um lado as casas de habitação coloridas e os vestígios de antigas fábricas que pertenceram ao Cidade e que durante o século XX foram exploradas por José Pinheiro Guimarães, conhecido pela alcunha do “Roupa Seca”.
O crescimento industrial registado no século XIX e primeira metade do século XX, traduziu-se em sucesso para muitos curtidores, surradores e negociantes. Os rendimentos obtidos com o trabalho repercutem-se na melhoria das condições de vida. Aparecem edifícios habitacionais sóbrios e distintos, em articulação com o típico bairro operário.
Aqui destaca-se, pela sua presença, a Casa Grande de Vila Verde, que pertenceu ao Comendador Manuel José Teixeira, abastado negociante ligado aos negócios de Couros. A intervenção urbana operada nesta zona em finais do século XX levou a uma alteração da configuração da rua, ligando-a à Rua da Ramada e abrindo aos espaços circundantes onde surgiram novos edifícios.
Continuando pelo meio dos novos edifícios de habitação, aparece ao lado direito a Rua da Ramada, que está intimamente ligada à indústria de Curtumes e ao processo de industrialização de Guimarães. O seu traçado foi sendo delineado e estendido à medida que surgiam construções fabris: na zona voltada para o rio instalaram-se as fábricas de curtumes no lado oposto existiu a já desaparecida fábrica têxtil que ocupava quase todo o quarteirão e cujo vestígio da sua cantina se encontra na construção em pedra adjacente ao edifício da antiga Fábrica Âncora.
A antiga fábrica Âncora, atualmente reabilitado para instalar o Centro de Ciência Viva de Guimarães - Curtir Ciência, apresenta-se como um ícone da tipologia construtiva de Couros, revelando o universo arquitetónico pré-industrial, que se inspirou na arquitetura rural tradicional, seja na forma do traçado arquitetónico, seja nas técnicas construtivas, adaptando-a a novas funções.
Ao nível do rés-do-chão e em torno de um pátio amplo, ficavam as lojas para armazém de matérias-primas, para trabalhos de acabamento dos couros, bem como os tanques, onde se realizavam as diversas operações de curtir e surrar as peles. Ao nível do piso superior encontramos espaços cobertos, amplos e arejados, construídos em ripado de madeira, onde se efetuava a secagem das peles.
Resultado da parceria entre o Município de Guimarães, a Universidade do Minho e a Rede Nacional Ciência Viva, o “Curtir Ciência” oferece uma exposição permanente com módulos interativos que abrangem áreas como eletrónica e instrumentação, robótica, reciclagem, engenharia, comunicações, bem como, a atividade da indústria dos curtumes.
Continuando pela Rua da Ramada destaca-se o edifício da “Fábrica de António Martins Ribeiro da Silva”, fundada na década de 30 do séc. XX e que é conhecida por Fábrica da Ramada.
Esta fábrica é um símbolo da aposta na inovação tecnológica a que esta indústria assistiu. Expandiu a área produtiva para poder instalar, em espaços amplos, a maquinaria necessária para o aperfeiçoamento tecnológico exigido, que passava pela substituição da tradicional curtimenta vegetal para a curtimenta mineral com sais de crómio.
Os tanques foram fechados, originando um pavimento uniforme, onde se instalaram os tambores (fulões), que permitiram acelerar o processo de transformação das peles, tornando, no entanto, esta atividade mais poluente. A consciência ambiental de finais do século XX obrigou a novas exigências no tratamento dos efluentes, aumentando os encargos de produção.
A Fábrica laborou até 2005, estando sempre ligada à mesma família “os Painços”, tendo sido a última fabrica que fechou portas na Zona de Couros.
O edifício foi reabilitado para atividades académicas, mas foram preservados os vestígios da sua arquitetura industrial, nomeadamente as cores da fachada, o “amarelo palha” e o “sangue de boi” das caixilharias, referidos na documentação como caraterísticas dos edifícios industriais da zona de couros.
O Instituto de Design nasceu no âmbito do projeto CampUrbis, em parceria com a Universidade do Minho. Este edifício acolhe a licenciatura e mestrado em Design de Produto é também a sede do “FinD Lab” Guimarães, uma unidade de investigação e desenvolvimento.
O espaço alberga, igualmente, um café e um anfiteatro ao ar livre, utilizado maioritariamente para conferências e mostras de produtos.
contactos
- Campus de Couros Universidade do Minho
- Rua da Ramada, 52-68
- 4810–445 Guimarães
- 41°26' 24'' N 8° 17' 27.9''W
- tel.: +351 253 510 803
- e-mail: design@arquitetura.uminho.pt
No Largo da Ramada, do lado direito, há uma fonte com duas bicas, é a Fonte da Ramada ou das Oliveiras, cuja água era muito apreciada.
Esta fonte era abastecida por uma mina situada junto às escadas da casa de Vila Pouca. As escadas com grades, que descem da Avenida D. João IV, também conhecida como “Avenida Velha” e terminam na rua da Ramada, junto à fonte, foram construídas no início da década de 1890.
Atualmente, esta fonte não tem água, mas tem um bonito brasão, o que atesta a sua importância, outrora.